Publicado em: 26 de junho de 2018 11h06min / Atualizado em: 27 de junho de 2018 08h06min
Você já leu que determinado alimento “é bom para emagrecer”, que “comer de três em três horas ajuda a acelerar o metabolismo” ou viu fotos surpreendentes de uma blogueira que emagreceu muito com uma dieta? Quem navega na internet com frequência provavelmente já se deparou com tais informações.
Para contrapor certas questões que são colocadas na internet, a endocrinologista Camila Cassol será uma das palestrantes do II Simpósio em Saúde e Alimentação (SSA) da UFFS – Campus Chapecó. Como “a internet é terra de ninguém”, a médica fará a palestra “No que acreditar? Fake news x Endocrinologia baseada em Evidências”, no dia 24 de agosto, às 17h.
As inscrições para o II SSA estão abertas no site do evento. A programação completa também está disponível na página.
A endocrinologista é formada pela UFSM, com residência médica em Medicina Interna pelo Hospital Nossa Senhora da Conceição (Porto Alegre) e Endocrinologia e Metabologia pelo Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do Rio de Janeiro (IEDE). É endocrinologista no Hospital Regional do Oeste (HRO) e da Prefeitura de Chapecó, além de preceptora do Programa de Residência em Medicina Interna do HRO.
Ela conversou conosco e abordou alguns dos assuntos sobre os quais palestrará.
Quais as razões pelas quais as pessoas, em geral, buscam dietas? E quais as razões pelas quais elas deveriam buscar dietas?
Dra. Camila – No geral, o que a gente vê é que a razão principal é para o emagrecimento. As pessoas entendem que precisam cuidar a alimentação a partir do momento em que ficam acima do peso. O motivo verdadeiro de procurar a melhora da qualidade da alimentação e que de fato vai fazer diferença na vida da pessoa é que o alimento é a principal fonte de nutrientes. Então nossa “fábrica de energia” depende do que a gente ingere. O momento de se preocupar com a alimentação é desde a formação do hábito alimentar da criança. Nós somos de uma geração em que alguns familiares passaram por restrição alimentar, assim ainda preservamos uma cultura de que ter comida armazenada, ter sobremesa, de certa maneira, faz parte de um bem-estar familiar. E hoje vemos a situação inversa: temos comida demais nas casas e a gente acaba tendo um comportamento alimentar alterado desde a infância. O que falo muito aos pacientes é que não se deve buscar a dieta esperando o emagrecimento. Elas devem se concentrar no dia a dia, no comportamento alimentar, identificar onde estão os erros, que naturalmente o emagrecimento acontecerá. A gente vê muita angústia em relação a “o que eu vou comer para emagrecer”. E na verdade não deve ser esse o foco, isso estressa e tem até estudos científicos mostrando que quem se pesa muito, engorda mais.
Com tantas “dietas” – de blogueiras, de revistas, de “ouvi dizer que fulana fez” – em que deve se basear uma alimentação saudável? Há a necessidade de utilizar algum “alimento da moda”?
Dra. Camila – Nessa questão temos duas considerações a fazer: a primeira é que há dietas para emagrecimento e outras dietas são para a qualidade de vida, melhora da saúde. Quando um paciente tem a doença obesidade e está com o risco cardíaco aumentado, muitas vezes a gente precisa fazer uma dieta restritiva de verdade, às vezes com prejuízo da qualidade nutricional, digamos assim, por um breve período, para promover uma perda de peso significativa inicial e, num segundo momento, vamos tentar equilibrar essa dieta dentro dos grupos nutricionais, para que a pessoa tenha uma saúde perfeita. Mas é muito importante salientar que é necessário ter restrição calórica. Ninguém vai conseguir emagrecer se comer mais do que gasta. Muitas vezes o paciente insiste dizendo que o metabolismo é ruim e come pouco. Se é assim, ele terá que comer menos ainda. Não existe nenhuma dieta em que você vai comer muito e emagrecer.
Quanto ao “alimento da moda”: isso também explico muito. O paciente acha que vai comer alguma coisa que vai fazê-lo emagrecer. Não existe nada que você coma e vai fazê-lo emagrecer. Nem água. Há vários estudos mostrando que ingerir água não vai fazer diferença nenhuma para o emagrecimento. O que tem que pensar é o seguinte: quando você substitui uma refeição por algo menos calórico, você vai emagrecer não pelo que você ingere, mas pelo que você está deixando de ingerir. Então, por exemplo: batata-doce é bom para emagrecer? Não. Se só acrescentar a batata-doce, você estará apenas acrescentando caloria. No momento em que você substituir a mandioca pela batata-doce, aí ela vai ajudar. Mas é pela diferença de caloria do que você deixou de ingerir e o que você de fato ingeriu. Não existe um alimento cientificamente comprovado que vá acelerar seu metabolismo de forma eficaz. Temos alguns probióticos, na linha do kefir, tem o gengibre – mas teria que ser uma dose muito elevada –, então, na verdade a questão é comer pouco e se exercitar.
Em relação às fontes: para as pessoas interessadas em entender melhor a forma de se alimentarem mais adequadamente, quais fontes devem ser buscadas?
Isso é difícil porque a internet é uma “terra de ninguém”. Você pode colocar qualquer coisa lá e vai se tornando verdade. Vocês veem o que é o conceito de fake news no jornalismo e, nas várias áreas da Medicina, acontece da mesma forma. Então, a melhor fonte continua sendo o médico. A população em geral não tem acesso às fontes científicas sérias e acaba ficando difícil de pesquisar lá. Eu sugeriria as páginas das sociedades de especialidades (Sociedade Brasileira de Endocrinologia, Sociedade Brasileira de Cardiologia…), porque lá há temas abordados com evidências científicas. E, assim, a individualização só o médico pode fazer. O que quero alertar sobre isso é desconfiar de charlatanismo, profissionais que vêm com soluções muito milagrosas, expondo situações de antes e depois, prescrevendo muita fórmula, a gente deve ficar com a “pulga atrás da orelha”, porque não é o que aponta a ciência.
Mas é importante o diálogo com o médico também.
Sim, tem que ter abertura. É fundamental. Vejo muito, no tratamento da obesidade, o paciente vindo como se fosse um julgamento. Alguns falam “vou ser sincera com a senhora”. Respondo “sim, parte disso, a base é você ser sincero comigo. Porque não estou aqui para julgar, quero ver onde podemos melhorar”. Mas é uma doença muito estigmatizada. A população não a vê como doença, vê como uma situação em que a pessoa se colocou lá porque quis. Em determinados casos, dependendo do grau, já há um funcionamento cerebral diferente. Então temos vários mecanismos de boicote, de redução da autoestima, mecanismos do próprio organismo para desacelerar o metabolismo, para aumentar a fome. Temos muita evidência, atualmente, do processo patológico da coisa, então vemos muitos pacientes com essa dificuldade. Nem mesmo eles se entendem como doentes. Se o paciente tem uma abertura, uma relação médico-paciente legal, o processo anda adequadamente.
Nesse sentido, é importante ter um acompanhamento multidisciplinar?
Sim. Os estudos mostram que quem acompanha com equipe multidisciplinar tem um resultado muito melhor. Por exemplo, nos transtornos de compulsão alimentar, que são doenças psiquiátricas, muitas vezes o endócrino trata, mas obviamente se você tem um psiquiatra especializado nessa área, o resultado será muito melhor. O endócrino estuda isso, tem o perfil certo para atender, mas em muitos casos a gente trabalha junto, o que melhora muito. Outra situação que a gente vê muito benefício da equipe multidisciplinar é nos pacientes que fazem cirurgia bariátrica. Os estudos mostram que quando há o acompanhamento de um nutricionista depois da cirurgia, isso é mais determinante do que a própria cirurgia para o resultado de peso. Então se a gente tivesse que determinar o que é mais importante no pós-operatório da cirurgia bariátrica – ter feito com um bom cirurgião, ter perdido X quilos já no primeiro mês… não. O fator que mais faz diferença é acompanhar com um nutricionista depois. Isso mostra que é uma doença superdifícil, que quanto mais profissionais estiverem envolvidos no processo, melhor é. E tem que haver uma identificação com o profissional, não pode ir até ele como se fosse um julgamento, porque só piora. Se você vai a um profissional que aponta seus erros e não ajuda a dar um caminho, não adianta.
Em que casos o paciente deve buscar ajuda? E que tipo de paciente vai a qual profissional?
Na verdade, todo mundo que percebe algum erro alimentar clássico deve procurar orientação. Geralmente a porta de entrada é o nutricionista, porque ele vai fazer a abordagem inicial do caso e recomendar alguma mudança alimentar. Quando a gente tem obesidade, índice de massa corporal elevado, isso já é um critério para procurar um médico especialista em obesidade. Se você não tem um à disposição, vai num clínico, para fazer a abordagem das comorbidades.
Sabemos que quem está acima do peso tem maior chance de diabetes, infarto, câncer de mama, câncer de endométrio, que o médico já vai começar a identificar e tratar. E mais uma coisa que é importante, antes da massa corpórea por altura, se você se percebe com uma falta de controle sobre o que come – seja quantidade, tipo, horário –, se a forma que você se alimenta o incomoda ou incomoda alguém próximo a você já está indicado procurar um profissional, porque a chance de desenvolver o excesso de peso futuro é grande. Eu destacaria, nessa parte, assim: se você se percebe com falta de controle sobre o que come, quando percebeu já comeu mais do que queria, comeu demais, quando viu já reincide naquele comportamento, isso já é um sinal de alerta. Por outro lado, se a pessoa não come, se tem a impressão de que está muito acima do peso. Resumindo: se as questões com o peso e a alimentação te causam sofrimento.
Quais as principais fake news sobre endocrinologia que estão, especialmente, nas redes sociais?
Destaco questões das restrições a grupos alimentares. Vemos muita “conversa” de restrição de glúten e lactose, prometendo que isso vai melhorar seu metabolismo, que o consumo desse tipo de alimento está associado a câncer. Temos cortes com anos e anos de duração que não mostram nenhuma influência do consumo de glúten e lactose com risco cardiovascular, ganho de peso, qualidade de vida em geral. A confusão acontece porque há pessoas que têm intolerância. Então essas pessoas precisam evitar. Mas situações que vemos na internet: “glúten associado a câncer de mama”, "adoçante está ligado a câncer de tal tipo” são associações mentirosas até porque são estudos difíceis de serem feitos – tem que ser observacionais durante muito tempo – e tem muitos interferentes. Destacaria a restrição a grupos alimentares específicos: “tire a carne vermelha”, “tire a lactose”, “tire o glúten”. Não temos evidência que restringir nada faça muita diferença. Também tem a questão de comer de três em três horas. Temos a fala de muitos profissionais, de anos, nesse sentido. O que os estudos mais novos têm mostrado é o contrário: temos visto muitas evidências do jejum e nenhuma evidência a respeito de comer de três em três horas. O jejum reduz risco cardiovascular, aumenta a atividade metabólica, diminui, obviamente, a ingestão calórica, tem mais saciedade depois que come depois do jejum (come menos do que se não estivesse em jejum).
As suplementações são necessárias? Quando são, devem ter a indicação de profissionais de saúde? Se sim, por quê?
Depende muito de cada pessoa, a avaliação é individual. No geral, para quem faz musculação, há benefícios da suplementação. Mas com produtos específicos, em horários específicos, e dependendo da carga e da frequência da pessoa na academia. Sim, é possível fazer a suplementação com o objetivo de emagrecimento, de ganho de massa muscular, de recuperação muscular, de forma saudável, com substâncias que têm evidência científica de que vão ajudar. O problema é essa separação: por isso que a gente orienta a não ir atrás do que se fala em academia, tudo que promete resposta rápida, desconfiar. Outra coisa que falamos sobre suplementação é o seguinte: quem não consome leite e derivados, precisa suplementar o cálcio. Outras fontes não têm a concentração suficiente. Então, em populações de risco, como mulheres na menopausa, pessoas em uso de medicação que piore a situação óssea, terão que suplementar. Ômega 3 é outra coisa: em geral, não há evidência que mostre que todo mundo tem que suplementar. Caso a caso, sim, há necessidade de suplementação. Polivitamínico não. Já sabemos que não é vantagem usar, porque desequilibra. Se você tem deficiência de uma determinada vitamina, toma somente aquela.
Por isso, pela avaliação individual, é que é necessário consultar um profissional.
Exatamente. São muitas nuances. Antigamente, a gente suplementava o cálcio em todas as mulheres na menopausa. Aí aumentava a mortalidade cardiovascular, porque o cálcio se acumula nas artérias, causava enrijecimento, nefrolitíase (cálculo renal). Agora a gente faz conforme a ingestão da pessoa e temos parâmetros de controle – usamos taxa de excreção urinária de cálcio – porque a gente tem que ver se está dando certo ou mais prejudicando.
Quais doenças endócrinas são mais comuns na região? Em que momentos a pessoa deve ir ao endocrinologista? Deve fazer parte de um check up?
Como vou falar de Medicina baseada em evidência, vou dizer que não há evidência nenhuma de check up (endócrino). Os estudos científicos mostram que não evidência de check ups anuais, a cada cinco anos. O que se deve fazer: populações de risco devem procurar o cardiologista, pessoas com distúrbios alimentares, história familiar com doenças endócrinas, é interessante ir a um endocrinologista. Mas aquele monte de exames a cada seis meses não altera muito a mortalidade final. Claro que tem exames, como mamografia, preventivo, devem ser feitos com periodicidade. Outra coisa que o pessoal chega com dúvida é a dosagem do cortisol. Não há evidência científica da dosagem do cortisol para diagnóstico do excesso. Em geral saber que antes de pedir um exame é necessário ter uma indicação bem-feita. Porque depois tem que saber o que fazer com aquele resultado e, em muitos casos, aquele resultado não diz nada.
As doenças que a gente mais vê no consultório são as diabetes, bastante obesidade, alterações da tireoide, o endócrino também cuida muito de metabolismo ósseo (osteoporose, osteopenia, alterações das paratireoides), e a endocrinologia é uma área que tem bastante doenças raras – da hipófise, das adrenais.
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